A maior lenda urbana curitibana, a história do pirata Zulmiro, foi oficialmente reconhecida como verdadeira em evento na tarde desta terça (15) no Memorial de Curitiba.
Segundo pesquisa e documentação apresentada pelo escritor Marcos Juliano Ofenbok, o último capitão pirata do século 19 viveu incógnito durante 40 anos em Curitiba e está aqui sepultado desde 1889.
O anúncio da descoberta foi feito pelo prefeito Rafael Greca para uma plateia de centenas de crianças de escolas municipais de Curitiba.
Depois, Ofenbok, vestido de pirata, relatou à piazada atenta a incrível história cheia de datas remotas, coincidências intrigantes, muitos documentos e registros em livros e jornais que dão sentido à narrativa da vida do pirata e do tesouro que ele deixou enterrado na longínqua Ilha da Trindade, no Espírito Santo.
O prefeito Greca não apenas ratificou a história como se comprometeu a mandar esculpir uma estátua do pirata, antes de comandar o coral de crianças cantando o hino de Curitiba.
No evento, também estavam presentes autoridades consulares inglesas dando fé à história do ex-marinheiro britânico Francis Hoder que desertou, virou o capitão pirata Zulmiro e para fugir da corte marcial se escondeu em Curitiba.
A cronologia da narrativa é complexa e está explicada e documentada no livro “A Verdadeira Ilha do Tesouro – As Crônicas do Pirata Zulmiro”, recém-lançado por Ofenbok.
“A importância é grande quanto ao valor histórico, pois a literatura sobre a pirataria diz que o último capitão pirata foi enforcado nos Estados Unidos. Mas na verdade o último capitão pirata do mundo é um ativo cultural para a cidade. Ele sai da lenda e entra história”, diz o pesquisador.
Segundo o livro de Ofenbok, o pirata Zulmiro, na verdade, era um aristocrata nascido na cidade irlandesa de Cork. De família riquíssima, Francis estudou no Eton College, o mais tradicional internato britânico onde estudaram também todos os membros da família real britânica desde 1440.
Como todos os seus quatro irmãos, Francis Hoder ingressou na marinha britânica. Sua carreira ascendente, porém, foi interrompida quando após um desentendimento a bordo feriu de morte um oficial no Caribe.
Para escapar da execução da corte marcial, Hoder desertou e passou a ser um fora da lei dos mares. Primeiro como imediato em um navio negreiro, depois como comandante do navio e traficante de escravos. Finalmente, como pirata no Oceano Atlântico no período das revoluções de independência da América Espanhola na primeira metade do século 19.
Segundo o livro, já rebatizado como Zulmiro, o capitão se tornou o líder de um trio de piratas que tinha também o espanhol José Sancho e o russo Zarolho.
Os três teriam feito saques espetaculares no Atlântico sul. O maior de todos os roubos sangrou o navio que levava o ouro retirado da catedral de Lima no Peru.
Os três ladrões, contudo, foram capturados. Zarolho foi preso em Cuba, mas fugiu e morreu na Índia.
José Sancho naufragou e morreu no mar. Zulmiro também foi capturado, porém por um navio inglês cujo comandante se chamava Kempel e tinha sido seu colega na academia naval.
Kempel sugeriu simular uma fuga de Zulmiro na baía de Paranaguá desde que ele se comprometesse a sumir do mapa e para sempre.
O pirata subiu a Serra do Mar em nove dias então se refugiou numa área de mata ao norte da então minúscula vila de Curitiba que contava com cerca de 3 mil habitantes.
Viveu lá, isolado, na área onde hoje é a Universidade Livre do Meio Ambiente, por cerca de 40 anos adotando o nome de João Francisco Inglez.
“Ele usou o adjetivo pátrio para ocultar seu verdadeiro nome. Imagino que a maior parte das pessoas com o sobrenome Inglez, com o z final, em Curitiba e região podem ser descendentes do pirata Zulmiro”, afirma o escritor.
No mesmo ano em que comprou o terreno, comprou uma escrava chamada de Rita que mais tarde se tornou sua esposa e com quem teve quatro filhos.
Sua identidade só foi revelada perto do final de sua vida, quando outro cidadão inglês que negociava erva-mate, Edward Young Stammers, ouviu histórias em um bordel sobre um velho inglês eremita que vivia escondido em Curitiba.
Os dois compatriotas fizeram amizade e Zulmiro teria revelado sua história a Young que se comprometeu a não contá-la enquanto o velho estivesse vivo.
Quando soube de sua morte, em 1889, aos 90 anos, ele passou a relatar em cartas ao diário carioca Jornal do Brasil a história de Zulmiro.
Seus relatos incluem detalhes e informações sobre o tesouro que o trio de piratas havia roubado e segundo um mapa escondido na Ilha da Trindade.
Ponto mais oriental do território brasileiro, a Ilha da Trindade fica a 1200 km a leste de Vitória, na costa do Espírito Santo. Controlada pela Marinha Brasileira, a ilha é habitada por tartarugas e pouco visitada.
As histórias de Young publicadas na imprensa causaram tanto frisson que ele foi assassinado numa tentativa de assalto a sua casa no Rio de Janeiro. Os ladrões procuravam o mapa do tesouro.
No livro, Ofenbok cruza estas histórias a outros relatos em livros e periódicos internacionais. A pesquisa também traz como novidade o registro de quatro expedições brasileiras à Ilha da Trindade organizadas, a última em 1911, bem como registros de expedições americanas e inglesas.
O autor conta que o livro está sendo traduzido para a língua de Zulmiro por iniciativa do consulado inglês em Curitiba. Ele também afirma já ter iniciado conversas com a Netflix para, quem sabe, participar da produção da história do ultimo capitão pirata nos mares do sul.
Antes, porém, ele quer participar de uma nova expedição à Ilha da Trindade para finalmente descobrir o paradeiro do tesouro. O pesquisador disse que gostaria que o tesouro fosse dividido em quatro partes para o Museu Nacional, para o museu de Londres, para o museu do Vaticano e para o Museu Paranaense.
“O tesouro de Zulmiro, Zarolho e José Sancho pertence à humanidade”, disse.
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