Era uma vez um pirata, que escondeu um tesouro em uma ilha deserta, mas passou o resto da vida vivendo anonimamente em Curitiba, até entregar um mapa a um amigo, contendo a localização do tal tesouro, que nunca foi encontrado.
Parece história infantil inventada pelos curitibanos?
Não é o que pensam tanto a Prefeitura de Curitiba, quanto o consulado honorário da Grã-Bretanha na capital paranaense.
Tanto que ambas inauguraram, no último sábado (29), em um bairro da zona noroeste da cidade, uma praça pública em homenagem ao tal pirata, contendo uma placa oficial do English Heritage Trust, uma instituição inglesa de reconhecimento de locais históricos.
Ela atesta que o tal pirata, nascido John Francis Hodder, mas autoapelidado Zulmiro, ao se exilar em Curitiba, não só existiu de fato como viveu e morreu na capital paranaense – por mais fantasioso e improvável que isso possa parecer.
“Um pirata inglês, que viveu em Curitiba, a 10 000 quilômetros do Reino Unido, é algo realmente fantástico e digno desta homenagem”, disse o Cônsul Honorário Britânico no Paraná, Adam Patterson, na cerimônia de inauguração da praça e descerramento da placa oficial da British Society, que endossa a veracidade de uma história que era considerada uma simples lenda pelos moradores da capital paranaense.
“Esta placa confirma essa incrível história, porque ela jamais é concedida para pessoas fictícias”, explicou o cônsul inglês.
Única placa azul do Brasil
Mais conhecidas como “Placas Azuis”, e abundantes em todo o Reino Unido – especialmente em Londres -, sempre diante de casas, locais ou espaços públicos que fazem parte da história inglesa, as placas da British Society existem há mais de 150 anos, mas raramente são atribuídas a locais de outros países.
A da nova praça de Curitiba – um bonito espaço destinado às crianças, com brinquedos temáticos de piratas – é a única do Brasil e da América Latina.
“É um marco que atesta a ligação do pirata inglês Zulmiro com Curitiba”, completou o cônsul na cerimônia, que também contou com a presença do Prefeito da capital paranaense, Rafael Greca, um entusiasta desta surpreendente história, que mais parece conto infantil.
Mas não é.
Pesquisador descobriu tudo
Quem está por trás de tudo isso é o abnegado pesquisador curitibano Marcos Juliano Ofenbock, que, 20 anos atrás, começou a pesquisar uma velha lenda da cidade, que dizia que ali teria vivido um pirata, embora a capital paranaense sequer seja banhada pelo mar.
Intrigado com aquela história, Marcos passou meses vasculhando arquivos de cemitérios de Curitiba, até que achou o registro da morte de um certo “João Francisco Inglez”, em 1889, aos 90 anos, que, como ele apurou depois, originalmente se chamava John Francis Holder.
Tratava-se de um pirata inglês que havia participado do ataque a um galeão espanhol que trazia riquezas extraídas da Catedral de Lima, no Peru, em 1821. Mas, após se desentender com seus comparas, ele se exilou no que é hoje Curitiba, onde adotou o apelido “Zulmiro”, após ter testemunhado o esconderijo daquele tesouro na distante Ilha de Trindade, o ponto mais avançado do território brasileiro, a cerca de 1 000 quilômetros da costa do Espírito Santo.
“Se eu não tivesse achado o registro do sepultamento dele em Curitiba, também duvidaria dessa história”, admite o pesquisador.
Depois disso, porém, Marcos Juliano passou a ir cada vez mais fundo na sua pesquisa, em busca de evidência do tal tesouro que o pirata Zulmiro teria escondido naquela ilha, seu atual desafio.
Ele vai em busca do tesouro
De tanto pesquisar e comprovar detalhes desta intrincada história, Marcos Juliano acabou convencendo órgãos como o Instituto Histórico do Paraná, a Universidade Federal do Paraná e a própria Prefeitura de Curitiba, a apoiarem o seu projeto de organizar uma expedição histórico-científica à Ilha de Trindade, em busca de evidências do chamado “Tesouro de Lima”.
“Já nem ligo mais de ser chamado de maluco, porque falar sobre tesouros é como defender discos voadores”, diz o pesquisador.
“Há três resultados possíveis para uma expedição dessas à ilha: achar o tesouro, encontrar apenas vestígios de ter havido algo ali no passado, ou não achar nada. Claro que prefiro a primeira opção. Mas se encontramos apenas sinais de que algo pode ter sido escondido ali, e mais tarde retirado – o que é bem possível -, já terá valido a pena, porque o nosso objetivo é apenas provar que o tesouro existiu de fato, assim como o pirata Zulmiro, que já está comprovado”.
Ao longo dos tempos, mais de seis expedições, quatro delas empreendidas por brasileiros, foram feitas à Ilha de Trindade, em busca do tal tesouro.
Oficialmente, nenhuma delas atingiu o objetivo.
Mas, segundo o pesquisador, isso aconteceu “por falta de tecnologia”.
“Agora, a tecnologia já existe. E ela vai ajudar muito na nossa expedição, que deve acontecer em dois anos”, diz o pesquisador, que já publicou dois livros sobre o assunto.
Outro caçador do mesmo tesouro
O paradeiro do chamado “Tesouro de Lima”, composto por peças religiosas de ouro e prata, com valores difíceis de serem mensurados, já atiçou a imaginação – e a ação – de muitos outros aventureiros, no passado.
O mais perseverante de todos foi o belga, radicado no Brasil, Paul Thiry, que passou 40 anos vasculhando uma área primitiva de Ilhabela, no litoral do São Paulo, em busca do mesmo tesouro, que ele acreditava estar naquela ilha, e não em Trindade.
Thiry não encontrou nada de valioso.
Mas achou intrigantes marcos entalhados nas pedras de uma parte remota de Ilhabela, que até hoje intrigam alguns moradores da ilha – clique aqui para conhecer, também, esta interessante história.
O Parque do Pirata Zulmiro fica na rua Engenheiro Rômulo Gutierrez, no bairro Vista Alegre, em Curitiba.
As crianças vão adorar. E os pais poderão conhecer, através de painéis informativos, uma história que, embora pareça conto infantil, aconteceu de verdade naquela cidade.
Fonte: Jorge de Souza
https://www.uol.com.br/nossa/colunas/historias-do-mar/2024/07/02/pirata-se-escondeu-em-curitiba-e-praca-e-placa-reconhecem-sua-historia.htm