Há quase 20 anos, o curitibano Marcos Juliano Ofenbock, de 45 anos, pesquisa incansavelmente uma história: a de que um pirata de verdade teria vivido e morrido em Curitiba, após participar de um dos maiores saques da História da América do Sul: o ataque a um galeão espanhol que transportava riquezas extraídas do Peru, antes da independência daquele país, em 1821, mais conhecido como o “Tesouro de Lima”.
O tal pirata, um gatuno inglês de nome John Francis — que, uma vez no Brasil, adotara o curioso apelido “Zulmiro” — teria participado daquele ataque e, junto com dois comparsas, ajudado a esconder a valiosa carga na hoje brasileira ilha de Trindade, a cerca de 1.000 quilômetros da costa do Espírito Santo. Mas, depois disso, foi obrigado a se exilar, anônimo, nos arredores de uma remota vila, que mais tarde viraria a atual capital do Paraná.
História fantasiosa demais para ser verdade?
Não é o que sempre pensou Marcos Juliano, que de tanto pesquisar todos os detalhes desta intrincada história, acabou convencendo até órgãos como o Instituto Histórico do Paraná e a Marinha do Brasil, além da Universidade Federal do Paraná, a apoiarem o seu projeto, que tentará encontrar vestígios do tal tesouro na mais distante ilha da costa brasileira.
Chegou à ilha ontem
Na companhia do diretor do Instituto Histórico do Paraná, Nelson Alves, coordenador geral do projeto, o pesquisador desembarcou ontem na mais afastada ilha da costa brasileira, a um terço do caminho para a África, após uma viagem de quase três dias no navio Apa, da Marinha do Brasil, que uma vez a cada dois meses visita a ilha para levar suprimentos para a pequena base militar que a corporação mantém lá.
“A Marinha nos convidou para conhecer a ilha e fazer os primeiros levantamentos práticos de reconhecimento do terreno, visando a futura pesquisa de campo, que só acontecerá daqui a três anos”, diz Marcos, que, no entanto, garante que o projeto será 100% financiado apenas pela iniciativa privada.
“Não queremos recursos públicos, assim como nada do que eventualmente for encontrado. Nosso interesse é apenas histórico, de provar que o tesouro escondido pelo pirata Zulmiro, um século e meio atrás, existiu de verdade”, garante o pesquisador, que diz já ter toda a operação detalhada e programada.
“Teremos geógrafos, arqueólogos, cartógrafos e equipamentos de alta tecnologia, como magnômetros, usados na prospecção de jazidas minerais, radares de penetração no solo, que vasculham o que há embaixo da terra, e gravimetria, que detecta a presença de materiais não habituais soterrados, através das diferenças nas densidades”, explica o pesquisador, que não se incomoda de ser taxado de sonhador pelos que não acreditam na possibilidade de haver algo valioso escondido na ilha.
Há três possibilidades
“Já nem ligo mais de ser chamado de maluco, porque falar sobre tesouros é como defender discos voadores”, diz Marcos.
“Mas há três possibilidades para a nossa expedição: encontrar o tesouro, achar apenas vestígios de ter havido algo ali no passado, e não achar nada. Claro que prefiro a primeira opção. Mas, se encontramos apenas sinais de que algo pode ter sido escondido ali e, mais tarde, retirado, já terá valido a pena, porque nosso objetivo é apenas provar que o tesouro existiu de fato, assim como o pirata Zulmiro, que já está comprovado”.
Para provar a existência de um improvável pirata que teria vivido e morrido na capital do Paraná, o pesquisador passou meses vasculhando antigos arquivos de cemitérios de Curitiba, até que achou o registro da morte de um certo “João Francisco Inglez”, em 1889, aos 90 anos, que ele aponta categoricamente como sendo o pirata Zulmiro — que era inglês (daí o sobrenome inventado por ele), e se chamava originalmente John Francis – “João Francisco”, na língua inglesa.
“Se eu não tivesse encontrado o registro do sepultamento dele em Curitiba, também duvidaria dessa história”, diz o pesquisador, que, depois disso, passou a ir ainda mais fundo na sua pesquisa,
“Localizei até descendentes do pirata vivendo no Paraná, já que Zulmiro se casou no Brasil com uma ex-escrava”, diz o pesquisador.
Já o roteiro para encontrar o local do tesouro teria sido entregue por ele a um comerciante inglês, radicado no Brasil, chamado Edward Young, que, pela facilidade do idioma, se tornara seu amigo.
“Quando Zulmiro morreu, Young contou sobre o tesouro em jornais do Rio de Janeiro e, por isso, acabou sendo morto por um ladrão, que queria o roteiro. Mas não o encontrou”, explica, entusiasmado, o pesquisador.
Por que ele acredita nessa história?
“Que o pirata existiu, não resta a menor dúvida. Resta, agora, ir atrás do tesouro que Zulmiro e seus comparsas esconderam na Ilha de Trindade. E é isso que estamos começando a fazer agora”, diz Marcos, que garante ter um bom motivo para acreditar na existência do tal tesouro.
“Tanto a localização quanto a descrição do conteúdo do tesouro descrito por Zulmiro ao seu amigo inglês, bate em tudo com o que disse um dos piratas que o ajudaram a esconder aquelas peças valiosas na Ilha de Trindade, um marinheiro russo que morreu na Índia logo depois, após confidenciar o segredo a um oficial que acompanhou sua morte”.
“Não tem como duas pessoas que estavam em lugares tão distantes — um no Brasil, outro na Índia, na precariedade de comunicação do Século 19 — terem inventado a mesma história, com precisão em tantos detalhes”, defende Marcos, que, no entanto, completa.
“Mas, talvez, o tesouro não exista mais, porque pode ter sido removido de lá por outros piratas, ou sido saqueado pelas expedições anteriores à nossa”.
Novas tecnologias ajudarão nas buscas
No passado, ocorreram três expedições inglesas e quatro promovidas por brasileiros em busca do tesouro da Ilha de Trindade. Nenhuma atingiu o objetivo, por causa, segundo o pesquisador, “da falta de equipamentos e recursos, e de um grande desmoronamento de terra que ocorreu em uma das encostas da ilha, no século passado”.
“Mas as novas tecnologias facilitarão muito as buscas”, acredita ele.
Tudo irá para museus
De acordo com o pesquisador, qualquer objeto que venha a ser encontrado nas escavações (que terão que ser feitas sob acompanhamento, também, dos órgãos ambientais) será destinado ao Museu Paranaense, Museu de Arqueologia da UFPR e Museu Naval, do Rio de Janeiro, este em retribuição à ajuda da Marinha ao projeto, através da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, que ajuda a cuidar da “Amazônia Azul”, a imensa área do mar brasileiro dentro da qual a Ilha da Trindade está inserida, a centenas de quilômetros da costa.
“Trindade é a verdadeira Ilha do Tesouro”, brinca o pesquisador, que, no entanto, baseia seus estudos e conclusões em argumentos sólidos.
40 anos procurando o mesmo tesouro
O paradeiro do valioso Tesouro de Lima, oficialmente jamais encontrado e de valor difícil de ser mensurado, já atiçou a imaginação — e a ação — de muitos outros aventureiros, no passado. Alguns deles, brasileiros.
O mais perseverante foi o belga, radicado no Brasil, Paul Thiry, que passou 40 anos vasculhando uma área primitiva de Ilhabela, no litoral do São Paulo, em busca do mesmo tesouro, que ele acreditava estar naquela ilha — e não na Ilha de Trindade.
Thiry não encontrou nada de valioso, mas achou intrigantes marcos entalhados nas pedras de uma parte remota de Ilhabela, que até hoje intrigam alguns moradores.
“O Thiry estava certo sobre a existência do tesouro, mas procurou na ilha errada. A ilha correta é Trindade”, garante Marcos Juliano, que diz que não irá sossegar enquanto não provar que o famoso Tesouro de Lima – quem diria? — veio parar no Brasil, graças a um improvável pirata que viveu em Curitiba.
E que pode estar lá até hoje.